17 de maio de 2012
Hepatites virais: informação e prevenção são fundamentais
De maneira simplificada, a hepatite pode ser definida como inflamação do fígado. Um problema que pode ser agudo ou crônico e que tem causas diversas. A mais comum é a infecção causada pelos vírus A, B, C, D e E. As chamadas hepatites virais são, hoje, um problema de saúde pública no mundo todo. Estima-se que existam mais de 350 milhões de portadores de hepatite B e quase 180 milhões de hepatite C. No Brasil, foram registrados quase 70 mil casos entre 1999 e 2010, mas as estimativas indicam que existam 2 milhões de portadores de hepatite C e 500 mil de hepatite B no país.
A diferença entre os registros da doença e as estimativas de pessoas infectadas apontam um desafio: ainda falta muito para se diagnosticar e tratar os portadores destas infecções que, quando não precocemente detectadas e tratadas, podem acarretar complicações como cirrose e câncer de fígado. Para reverter isso, informação é fundamental. Por isso, o Rio Com Saúde entrevistou Clarice Gdalevici, da Coordenação Estadual de Hepatites Virais Gerência DST/AIDS/ Sangue e hemoderivados da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES).
Confira!
Rio Com Saúde: Quais as causas da hepatite?
Clarice Gdalevici: A causa mais comum é por vírus – os principais vírus que causam hepatite são: A, B, C, D e E – seguida por drogas, produtos tóxicos como derivados do petróleo, autoimunidade e até gordura no fígado.
RCS: A transmissão ocorre da mesma forma independente do vírus causador da hepatite? E os sintomas, são os mesmos?
Clarice Gdalevici: A transmissão é específica para cada tipo de vírus. A e E são de transmissão fecal-oral por água contaminada ou más condições de higiene. B é de transmissão sexual e sanguínea, além da transmissão vertical (mãe-feto) e horizontal (dentro do contato familiar). O vírus D só pode se desenvolver na presença do vírus B e segue as mesmas vias de transmissão. O vírus C é essencialmente de transmissão por via parenteral com sangue contaminado, isto é, há necessidade de penetração do vírus C nos tecidos ou mucosas.
RCS: Quais os sintomas e como é feito o diagnóstico?
Clarice Gdalevici: As hepatites agudas A e E costumam dar sintomas como mal-estar, náuseas, febre, dor abdominal, olhos e pele amarelada (icterícia), urina escura (cor de Coca-Cola) e fezes claras que melhoram naturalmente com o tempo e repouso, usando medicamentos apenas para os sintomas mais desconfortáveis. A hepatite B também pode ter um quadro agudo semelhante, mas na maioria dos casos também é assintomático. Já a hepatite C raramente apresenta um quadro bem definido e, se ocorre, passa por um mal-estar passageiro. Ele costuma ser assintomática na fase aguda, mas se torna crônica entre 70% e 80% dos casos.
O diagnóstico da hepatite é feito pela elevação das enzimas do fígado: aminotransferases e bilirrubinas quando há icterícia. O diagnóstico da etiologia viral só é feito com marcadores sorológicos específicos para cada tipo de vírus. Isto é, vai se dosar os anticorpos que o organismo produziu contra cada vírus. Por isso, é fundamental saber solicitar os exames corretos para cada vírus e para fase aguda ou crônica.
RCS: Existe tratamento para as hepatites virais? Em que consiste?
Clarice Gdalevici: As hepatites agudas A e E são tratadas só com medicamentos sintomáticos para náuseas, febre e dor, além de repouso e dieta leve de boa aceitação pelo paciente, sem necessidade de ingerir doces em abundância. O importante é ter acompanhamento médico para avaliar a evolução do quadro. Raramente existem complicações que deverão ser diagnosticadas precocemente. A forma aguda da hepatite B também é semelhante às anteriores, mas, em geral, é assintomática. Se houver evolução para forma grave ou crônica existe tratamento com drogas específicas. A hepatite C é a mais silenciosa de todas, com raras formas agudas, mas quando acontece o quadro clínico é semelhante às demais. Caso ela não cure em até 12 semanas de evolução, há indicação de tratamento com interferon após este prazo para evitar a evolução para forma crônica.
RCS: Existe cura para todos os tipos de hepatite causada por vírus?
Clarice Gdalevici: A hepatite A cura definitivamente sem forma crônica e a B quando ocorre com apresentação de hepatite aguda cura espontaneamente em mais de 90% dos casos. A forma crônica da hepatite B hoje tem vários tratamentos, mas só podemos dizer que a doença está controlada pelos medicamentos e necessita acompanhamento, pois o material genético do vírus pode permanecer latente no organismo e sofre reativação. Já a hepatite crônica C tem tratamento com interferon convencional e peguilado associado a ribavirina, conforme o protocolo do Ministério da Saúde. A cura está entre 40% e 50% para o genótipo 1 do vírus C, que é o mais frequente. Teremos em breve novas drogas antivirais para a hepatite C que devem aumentar significativamente esta percentagem de cura.
RCS: Esta é uma doença que pode ser evitada? Quais as formas de prevenção?
Clarice Gdalevici: A prevenção é fundamental para evitar a transmissão de hepatite. A vacina contra hepatite B já faz parte do calendário oficial. A 1ª dose após o nascimento (nas primeiras 12 horas) previne também, em boa parte dos casos, a transmissão do vírus para a criança no caso da mãe contaminada. Em seguida, aconselhamos a prática de sexo com preservativo para evitar a transmissão sexual. Quanto à forma de transmissão sanguínea, é importante observar cuidados de esterilização ou usar material descartável para fazer tatuagens e colocar piercing e usar material individual em manicures e pedicures, além de, no caso de usuários de drogas, não compartilhar seringas, agulhas, cachimbos e canudos. Já as hepatites de transmissão fecal-oral dependem de uma boa rede de água e esgoto e cuidados de higiene no preparo e consumo de alimentos.
RCS: O Sistema Único de Saúde disponibiliza gratuitamente vacina contra a hepatite B em qualquer unidade de saúde, mas para grupos específicos. Quais são estes grupos e por que a vacina está disponível apenas para eles?
Clarice Gdalevici: A partir deste ano, a vacina para hepatite B está disponível em todos os postos de vacinação para pessoas com até 29 anos de idade. Grupos vulneráveis também devem ser vacinados: grávidas, trabalhadores da saúde, forças de segurança pública, manicures, população indígena, doadores de sangue, população LGBT, profissionais do sexo, usuários de drogas e portadores de DSTs. Há planos do Ministério da Saúde para ampliar até 39 anos.
RCS: Existe vacina para as hepatites causadas pelos demais vírus?
Clarice Gdalevici: Existe vacina para hepatite A, mas ela só é oferecida em casos especiais nos CRIEs para determinados casos de hepatite B ou C não imunes, portadores de HIV e outras situações especiais.
RCS: Qual o maior desafio em relação às hepatites virais? Prevenção, diagnóstico e tratamento, o que precisa melhorar? Quais os possíveis caminhos para reverter a incidência da doença?
Clarice Gdalevici: Temos que melhorar, principalmente, a visibilidade destas doenças. Há pouca informação circulando sobre as hepatites crônicas B e C. Todos confundem com a forma aguda da hepatite A e, por isso, nunca pensam em fazer um teste para saber se estão contaminados. Estamos trabalhando muito para aumentar a oferta de testes rápidos nas unidades chamadas CTAs do estado, assim como no pré-natal. O maior desafio é reconhecer o número real de casos e criar locais de atendimento capacitado como os Serviços de Atendimento Especializados (SAE) para realizar o tratamento. Além disso, a prevenção das hepatites deve fazer parte dos Programas de Educação em Saúde: exemplos são o SPE nas escolas do estado e nos grupos de salas de espera das unidades básicas de saúde como na de pré-natal.