18 de novembro de 2016
Pesquisa recomenda inclusão da febre Q no diagnóstico diferencial da dengue, Fiocruz
Dores no corpo, febre, náusea, vômito, cansaço e dor de cabeça. Estas manifestações, muito comuns no quadro clínico de dengue e de outras viroses de grande circulação no Brasil, também podem estar associadas a uma doença ainda pouco conhecida no país: a febre Q. Causada pela bactéria Coxiella burnetii, a doença é transmitida ao homem pela inalação de partículas contaminadas do ar ou pelo contato com o leite, fezes, urina, muco vaginal ou sêmen de gado, ovelhas, cabras e outros mamíferos domésticos, incluindo cães e gatos, quando infectados, o que associa sua ocorrência sobretudo a ambientes com características rurais.
A ausência de dados epidemiológicos sobre o agravo e a possibilidade de seus sintomas serem confundidos com diversas outras doenças acenderam o alerta para os pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Conduzido por Elba Lemos, chefe do Laboratório de hantaviroses e rickettsioses, e Maria Angélica Mares-Guia, que concluiu o doutorado em Medicina Tropical no Instituto, um estudo publicado na “American Journal of Tropical Medicine and Hygiene” observou a presença de C. burnetii em nove pacientes durante um surto da doença em Itaboraí, município do Rio de Janeiro que possui atividades econômicas relacionadas à agricultura e à pecuária. Foi lá que o Laboratório detectou, em 2008, o primeiro caso confirmado por meio de analise molecular no país. Além do Rio de Janeiro, casos de febre Q já foram confirmados em Minas Gerais e São Paulo.
Sinal de alerta:
Em parceria com um hospital local, foram analisadas as amostras de todos os pacientes que deram entrada na unidade de saúde com suspeita de dengue, entre março de 2013 e outubro de 2014. No hospital, foram realizados exames para identificar dengue (teste sorológico para detecção do anticorpo IgM e teste rápido com antígeno NS1). Os testes para febre Q foram desenvolvidos no IOC, utilizando as mesmas amostras. “Usamos a técnica de PCR convencional para investigar a presença de infecção por Coxiella burnetti”, explica Maria Angélica, primeira autora do artigo. No total, 272 pacientes foram analisados. Destes, 166 tiveram a confirmação para dengue, nove foram diagnosticados com febre Q. Um dos pacientes apresentou infecção pelos dois patógenos. “Embora a quantidade de amostras positivas para febre Q pareça inexpressiva, chama atenção a correlação que os profissionais de saúde fizeram com a dengue no momento do diagnóstico clínico”, pontua. “Por ser uma zoonose complexa e ter poucos casos registrados, a febre Q ainda é muito negligenciada. Embora não exista em grande número, ela nos preocupa devido à resistência do patógeno e sua perpetuação no ambiente, podendo causar surtos”, completa Elba.
As especialistas alertam para a necessidade do diagnóstico diferencial. “Estamos em uma área endêmica para dengue e agora também temos a circulação dos vírus zika, chikungunya e influenza. Já que sabemos da existência de um foco de febre Q na região de Itaboraí, os profissionais de saúde da localidade precisam questionar a possibilidade de haver pessoas afetadas por essa zoonose e que possam ter diagnósticos confundidos”, ressalta Elba, defendendo que, nessa situação, o critério clínico-epidemiológico seja complementado por testes laboratoriais.
Segundo Elba, quando houver suspeita de febre Q, o paciente precisa ser imediatamente medicado para uma melhora significativa. “Simples e de baixo custo, o tratamento adequado consiste na utilização de um antibiótico específico por aproximadamente 3 semanas. No caso crônico da doença, esse período pode se estender por meses”, explica. Com o tratamento correto realizado nos primeiros três dias da doença, as manifestações clínicas, como a febre, podem cessar em 72 horas. Porém, caso não receba a medicação apropriada, o paciente pode ter a doença agravada.
Resistência que perpetua a transmissão:
De acordo com Elba, a forma humana de infecção mais comum é por inalação de partículas da C. burnetii presentes no ar, uma vez que é uma bactéria extremamente resistente ao calor, à seca e a vários produtos químicos, podendo sobreviver por longos períodos no ambiente. A especialista destaca ainda que, embora carrapatos não transmitam a bactéria para humanos através da picada, eles são significativos na manutenção da bactéria no ambiente, pois são capazes de transmiti-la entre os animais. “A febre Q envolve as saúdes humana, animal e ambiental. Desta forma, é necessário evitar ou controlar a circulação da bactéria no ambiente, ao invés de apenas tratar do paciente infectado. Por isso, recomenda-se utilizar botas e equipamentos de proteção para o manejo com os animais e separá-los dos outros, caso apresentem alguma doença. Leite e produtos lácteos sempre devem ser pasteurizados”, comenta Elba.
“Esperamos que os profissionais de saúde não desconsiderem a circulação de outras doenças em meio a surtos de dengue, zika, chikungunya e, também, Influenza. Evidentemente teremos mais casos de dengue do que de febre Q, por exemplo, porém é fundamental o suporte laboratorial no diagnóstico para que se possa fazer um tratamento correto”, salienta Elba. “Vamos continuar levando mais informação sobre a bactéria e a zoonose e realizar mais trabalhos de vigilância, para que possamos localizar regiões onde a C. burnetii é circulante”, conclui Maria Angélica.
“Por ser uma zoonose complexa e ter poucos casos registrados, a febre Q ainda é muito negligenciada. Embora não exista em grande número, ela nos preocupa devido à resistência do patógeno e sua perpetuação no ambiente, podendo causar surtos” (Elba Lemos).
Por Max Gomes - IOC/Fiocruz
http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/pesquisa-recomenda-inclusao-da-febre-q-no-diagnostico-diferencial-da-dengue