04 de fevereiro de 2016
Mães de crianças com microcefalia relatam o abandono dos companheiros em Pernambuco
Médicos que trabalham no atendimento de pacientes com microcefalia contam que os homens têm mais dificuldade do que as mães para aceitar a deficiência do filho. " Eu me surpreendi com a quantidade de mães que estão cuidando do filho sozinhas, porque o pai simplesmente resolveu largar a família " conta uma pediatra que não quis se identificar. O rompimento também atinge relações mais duradouras.
Após dois anos de namoro e nove de casamento, a promotora de eventos Carla Silva, de 32 anos, foi abandonada pelo pai dos seus três filhos quando ainda estava internada na maternidade. O motivo, conta, era a condição da caçula, Nivea Heloise, que nasceu com menos de 28 centímetros de perímetro encefálico. Ele me culpou por ela nascer assim. Disse que a menina era doente porque eu era uma pessoa ruim " relembra. Carla contraiu o zika vírus no segundo mês de gestação. Pela TV, via os casos que associavam a doença à microcefalia e pensou que a filha, ainda no útero, poderia se tornar uma vítima.
" Os exames não apontavam nada, mas eu fui me preparando " diz. Ela descobriu que a criança era portadora da má-formação logo depois do parto. " Não foi um choque. Eu vi e me tranquilizei , mas o pai dela, não " , conta. Nivea completa dois meses hoje, mas só foi registrada pelo pai 30 dias após o nascimento. " Pensei em fazer a certidão de nascimento como mãe solteira, mas minha sogra fez pressão até ele assumir " diz Carla.
Desde dezembro, no entanto, o ex-marido não mora mais com a família. Também não responde a mensagens no celular e a bloqueou de um aplicativo de bate-papo, conta. Com rotina de exames em hospitais, a filha tem demandado atenção integral de Carla durante o dia. Já as convulsões provocadas pela microcefalia não a deixam dormir de madrugada. " Ela chora muito, se treme inteira e contrai as mãos " afirma a mãe. A contar do nascimento de Nivea, ela ainda não conseguiu trabalhar. "Quando eu voltar, vai ser ainda mais difícil " afirma.
Para a infectologista pediátrica Angela Rocha, coordenadora do setor do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, que recebe a maior parte dos pacientes com microcefalia em Pernambuco, o problema de abandono dos pais afeta principalmente mulheres jovens, com relacionamentos instáveis e que tiveram uma gravidez indesejada. " Normalmente, o homem tem essa dificuldade de assumir " afirma Angela.
Fonte : Zero Hora - Online Edition