02 de maio de 2016
Zika causa danos mais sérios em bebês do que se esperava, EUA
A escala e a gravidade dos danos pré-natais causados pelo vírus da zika são muito maiores que os defeitos de nascimento associados à microcefalia, uma doença caracterizada pelo tamanho reduzido da cabeça e anormalidades no cérebro. Ultrassonografias, imagens e autópsias mostram que o vírus da zika corrói o cérebro do feto. Ele encolhe e destrói os lóbulos que controlam o pensamento, a visão e outras funções básicas e previne que partes ainda não formadas do cérebro se desenvolvam. No Brasil, praticamente todos os casos relacionados à zika envolvem dano cerebral significativo.
Os bebês mais afetados pela zika no Brasil morreram antes do parto ou poucas horas depois. Ninguém sabe ao certo quanto tempo os sobreviventes viverão ou que tipo de ajuda poderão receber nos anos futuros. O Brasil está se preparando para a segunda fase de uma crise que já dura seis meses: Cuidar de crianças com uma vasta gama de deficiências. Especialistas começaram a chamar a constelação de problemas relacionados ao vírus de síndrome congênita da zika, numa forma de identificar recém-nascidos com deficiências mais severas do que as descritas nos casos clássicos de microcefalia. Muitas vezes, um líquido preenche os espaços onde não há tecido cerebral.
“Há áreas do cérebro que nem chegam a se formar", diz Janeusa Primo Chagas, chefe de neurologia pediátrica do hospital da criança das Obras Sociais Irmã Dulce, onde Paschoal também trabalha.
“É seguro dizer que praticamente todas elas vão precisar de tratamento contínuo de longo prazo", diz Edwin Trevathan, professor de neurociência da Universidade Baylor, no Texas, e ex-diretor do centro nacional para defeitos de nascimento e deficiências de desenvolvimento dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças dos EUA – ou CDC, na sigla em inglês.
Os cientistas estão tentando entender como um vírus que parecia ser benigno desde que foi identificado, quase 70 anos atrás, pode agora ter se tornado um risco tão grave.
Uma possibilidade, dizem eles, é de que complicações sérias passaram quase despercebidas à medida que o vírus se espalhou da África para a Ásia e as ilhas do Pacífico. Infecções podem ter passado por países pobres sem um acompanhamento eficaz da doença, ou os surtos podem ter sido muito menores, tornando as complicações mais difíceis de identificar.
Os cientistas também estão averiguando se mutações do vírus o tornaram mais potente ou mais transmissível enquanto ele se propagava pelo mundo.
Pesquisadores analisaram registros médicos de gestações e nascimentos durante e depois de um surto de zika na Polinésia Francesa ocorrido em 2013 e no início de 2014. Eles descobriram 19 fetos e recém-nascidos com anormalidades cerebrais semelhantes às observadas agora no Brasil; seis dos bebês ainda estão vivos, mas severamente debilitados, afirma um estudo publicado em março.
Especialistas em desenvolvimento infantil dizem que o vírus zika pode desencadear outros defeitos de nascimento que não serão detectados até que estes bebês cresçam.
“Nós antecipamos que haverá um espectro de resultados", diz Margaret Honein, epidemiologista de uma força-tarefa para gravidez e defeitos congênitos, uma das iniciativas do CDC para responder ao vírus da zika. É possível, por exemplo, que haja problemas ocultos no cérebro que não se manifestem como microcefalia.
Na falta de uma vacina para a zika, as autoridades do setor de saúde pública estão tentando controlar os mosquitos transmissores do vírus. Elas estão fornecendo repelentes e, em alguns lugares, contraceptivos para mulheres em idade fértil. Surtos da doença foram registrados pela primeira vez em 42 países e territórios desde o ano passado, a maior parte na América Latina, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.
Autoridades da área de saúde e especialistas do Brasil dizem que a epidemia está chegando ao seu pico, com o número de casos de zika devendo diminuir nos próximos meses. Esta previsão é baseada na febre do dengue, que é transmitida pelo mesmo mosquito, o Aedes aegypti, e normalmente perde força em maio com a redução das temperaturas no Hemisfério Sul.
Ao norte do Equador, as autoridades dos EUA estão se preparando para uma possível propagação da zika neste verão, principalmente nos Estados do Golfo do México. Pelo menos 33 mulheres já foram infectadas no país. Algumas perderam os bebês e os fetos de outras desenvolveram anormalidades. Autoridades da saúde dizem que grandes surtos são improváveis nos EUA por causa do uso disseminado do ar condicionado e de telas nas janelas, além do acompanhamento da doença. O CDC já registrou 388 casos de zika nos EUA e 503 nos territórios americanos, predominantemente em Porto Rico.
Autoridades da área de saúde receiam que o Brasil possa representar o começo de uma onda de bebês com defeitos congênitos na América Latina e no Caribe. A Colômbia começou a relatar casos e o vírus já se espalhou rapidamente do Paraguai ao México. Os países pobres são os mais preocupantes, devido à falta de serviços médicos avançados para mulheres grávidas, assim como de repelentes, telas para as janelas e outros tipos de proteção contra o mosquito.
Os médicos esperam que a estimulação logo no início minimize as deficiências, diz Rogério Gomes, coordenador do Instituto Bahiano de Reabilitação, em Salvador. Em março, o estabelecimento começou a oferecer terapia para estimular os bebês com zika por meio de técnicas empregadas com outras doenças.
Os terapeutas cantam músicas para os bebês e usam figuras contrastantes para cativar a atenção deles. Algumas crianças têm dificuldade para fazer contato visual, dizem os terapeutas. As sessões semanais duram cerca de 80 minutos, normalmente com três mães e seus bebês. Eles trabalham com uma equipe que inclui um psicólogo, um fisioterapeuta, uma terapeuta ocupacional e um terapeuta da fala.
Saiba mais: The Wall Street Journal Americas