18 de julho de 2016
A zika e o dengue podem ter interação perigosa, mostra estudo em roedores
Ter pegado alguma das viroses da moda como dengue e zika pode ser bastante prejudicial para uma infecção subsequente, mostra um novo estudo da revista "Science" que fez testes in vitro e em roedores. Trata-se do efeito conhecido como potencialização dependente de anticorpos (antibody-dependent enhancement, ou ADE, em inglês). O que acontece é que anticorpos, em vez de neutralizar e promover a aniquilação de um vírus, acabam se ligando a ele de uma forma "frouxa", permitindo que ele seja internalizado e se reproduza sem dificuldades no interior de células do organismo.
Esse fenômeno biológico vem sendo estudado já há algum tempo e é uma das explicações mais plausíveis para o aparecimento das febres hemorrágicas em uma segunda (ou terceira, ou quarta) infecção pelo vírus da dengue. Esse número limite de infecções, quatro, tem um motivo -existem quatro subtipos do vírus da dengue (DENV1 a DENV4). Geralmente há uma predominância de um deles em cada epidemia, o que não impede, entretanto, que os demais também circulem na mesma época.
A esse notório quarteto de vírus, juntou-se o vírus da zika -até pouco tempo atrás restrito à África e Ásia. Só há um subtipo dele e os cientistas ainda não sabem exatamente como ele entra nessa ciranda dos flavivírus relevantes para a saúde pública.Com a ideia entender melhor essa interação, pesquisadores da Suíça, EUA, Reino Unido, Itália, Vietnã e Austrália uniram forças e estudaram 119 tipos de anticorpos de quatro doadores infectados pelo vírus da zika. Duas dessas pessoas já haviam pegado dengue; as outras duas, não.
Boa parte dos anticorpos (41) atacaram uma proteína não estrutural (chamada NS1) produzida por células infectadas pelo ZIKV enquanto ele tenta escapar do sistema imunológico -nesse sentido a NS1 funciona como uma "bomba de fumaça", enganando o organismo enquanto o vírus se multiplica. Por outro lado, anticorpos contra essa mesma proteína podem ser úteis em testes diagnósticos que diferenciem dengue de zika.
NEUTRALIZAÇÃO
A proteína E, que forma a cápsula de proteína que envolve o vírus, também foi reconhecida pelo organismo e anticorpos contra ela foram produzidos. (Neste caso, a maior parte dos anticorpos contra a porção 3 da proteína E -de três existentes- era bastante específica, não havendo tantas ligações inespecíficas de anticorpos em proteínas de outro tipo viral que não fosse aquele da infecção original, diminuindo a reatividade cruzada e o ADE).
Em testes, os cientistas viram que o plasma (fração do sangue onde estão os anticorpos) de pacientes que já foram infectados pelo DENV3 ou pelo ZIKV potencializou a ação do DENV1 em testes in vitro. Esse seria um indício de que uma infecção prévia "poderia significar um risco de uma doença mais severa por meio da exposição a um vírus heterólogo via potencialização dependente de anticorpo", escreveram os autores.
Estudos anteriores já haviam feito testes semelhantes e alertado para a possibilidade. O grupo, no entanto, deu um passo adiante no quesito complexidade: realizou testes em animais (camundongos). Doses de anticorpos de alto poder de neutralização (particularmente eficazes em se ligar aos vírus), tanto antizika quanto antidengue acabaram piorando sinais e sintomas sofridos pelos camundongos após a infecção por DENV2. Os bichos morreram no quinto dia de doença.
Versões artificialmente modificadas dos anticorpos foram capazes de neutralizar os vírus sem que piorassem o efeito de potencialização, dando indícios de que podem servir de base para um soro que ajude a tratar a zika, "tanto de forma profilática quanto terapêutica, especialmente em mulheres grávidas em áreas de risco", concluem os autores.
Outro vírus da família dos flavivírus, o da febre amarela, interage de maneira distinta com vírus da dengue. Ter tido dengue (e ter produzido anticorpos contra os vírus) pode atenuar a gravidade de uma infecção pelo vírus da febre amarela, apesar de não evitar, segundo resultados obtidos em humanos, que ela ocorra.
Fonte - Folha de São Paulo